(William Bougereau - A Onda de 1896)
Lá fundo do mar eu olhava a praia, olhava os passantes, as crianças brincando com a areia, as moças e seus guarda-sóis. Gostava de estar lá, no meio do nada, só eu e o impulso da água, coisa que me pergunto há tempos, de onde vem a força do mar. Já me explicaram, mas não acredito, tudo balela. Deve ter um dedo, um dedo bem grande empurrando para lá e para cá, para lá e para cá as água do mar. Eu estava lá, ninguém tinha ciência na minha existência nestes poucos instantes, e eu tinha ciência de todos que estava ali. Um barco passou puxando uma prancha com um garoto em cima, ele parecia estar se divertindo, eu sorri. Gosto de ver diversão, gosto disso. Resolvi boiar então, e ficar olhando as aves no céu, contanto nuvens. Mexia os braços para cima e para baixo, acariciando minha pele com o suave contato que a água gelada fazia, como se fosse o toque gentil de uma mãe carinhosa, algo que me faltou. Que diabos! Que me falta até hoje. Sinto uma desolação de tempos em tempos, um nó dentro de mim, ter de voltar para minha casa fria, dura, meus lençóis ásperos e a televisão inóspita, aqui eu me sinto melhor. A água me acalma, ela me dá uma paz que não posso ter. Penso nisso por algum tempo enquanto bóio e a água entra em meus ouvidos, e em minha boca. Torno a olhar a orla, ela é circular e apareceram mais pessoas, parece que não cabem todos neste pequeno espaço de terra. Eles se entulham, ainda bem que não estou lá. Mergulho, o máximo que posso, tento encostar os dedos no fundo, não consigo, tento novamente, desta vez tenho um punhado de terra em minhas mãos. Jogo a em meu rosto, é como se eu tivesse poeira lunar em minha mão e em meu rosto. E sinto a mistura, o toque gentil da água, minha mãe, e o toque áspero da areia, minha amante. Interessante, minha mãe é água e a terra é minha amante. Quando quero prazer piso no chão e faço o que tenho de fazer para consegui-lo, mas quando quero amor, relaxamento, carinho entro na água e ela me dá a paz e o alivio que a terra compôs.
Gostaria de voltar para a terra agora, mas acho que estou longe demais, também estou fraco demais para agüentá-la, ou para que ela me agüente, todo meu peso em cima dela, minhas reclamações e eventualmente algumas lágrimas, a água, para me consolar um pouco. Acho que não voltarei, me deixarei ser consumido pelo mar. Afasto-me mais e mais, as braçadas começam a ficar mais e mais pesadas e tusso a água que entra em meus pulmões pesados, bóio e olho a orla, as pessoas ainda estão se ignorando neste convívio comum. Por que então saem de casa? Minha perna, a câimbra, uma dor horrível, me afogo.
Ninguém percebe. Eu olho sentado na areia, ainda posso sentir o que ele sente, a câimbra, o carinho da agua, ele esta tendo uma morte agradável, no lugar que ele gosta. Não o conheço, mas sei que ele era infeliz, estará em paz lá no fundo do mar, a água que nos acalma tanto, ela o puxa para si, após todo esse longo tempo de distancia entre si, ela quer seu filho de volta. Alguém grita, e um salva-vidas pula no mar para salvá-lo. Alguém, não sei quem, me cutuca apontando e dizendo que eu estava vendo tudo e não falei nada, que estava deixando o pobre coitado morrer no alto mar, mas eu sei o que ele quer, eu sei o que ele estava pensando. E eu respondo.
- Não sou nada mais do que o voyeur de um voyeur.
Marci Kühn 13 de junho de 2009
6 comentários:
O escritor não é nada mais do que um voyer... talvez de sua própria vida.
Muito bom Má! triste, mas bonito!!!
Eu li logo depois de ser escrito esse conto é muuuito bom, um dos melhores que já li
Esse cara é um sacana viu!
Má, adorei seu conto... lindo d-e-m-a-i-s! Vc descreveu a real sensação de estar dentro do mar...
Parabéns. Beijos, Lara (amiga do Dema)
Lara, que bom que gostou!!! Muitas vezes me sinto assim, esquecida do mundo e uma voyer no mar sozinha. é uma sensaçãom, engraçada e boa ao mesmo tempo!
Obrigada por ter lido!!!
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